segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Número 73 (2010)

A Rosa Branca

Há dias entrei no supermercado, e num piscar de olhos, revi os meus chocolates preferidos de sempre, há tanto tempo desaparecidos do mercado.
São semi-círculos pintados de caramelo e chocolate e vêm em caixas de quinze unidades. Por dentro escondem uma avelã que me derrete os sentidos, e como-os sempre da mesma maneira: o Caramelo em primeiro lugar, de modo a deixar intacto o Chocolate. Depois páro um segundo para apreciar a minha capacidade de o deixar ainda redondinho, e experimento o chocolate que começa a dar lugar à Avelã, até à trinca final em que tudo se mistura numa harmonia extasiante.
Quando estou perante um momento destes, apercebo-me que apesar de ter poucos lados egoistas, este é um deles. Não partilho cigarros, esqueço-me invariavelmente de oferecer pastilhas, detesto que me tirem comida do prato, e chocolates, regra geral, como sozinha.

Enquanto segurava a caixa das quinze relíquias que ia colocar dentro do meu carrinho, retornei a Macau, mais precisamente, ao ano de 1992.Tinha pedido à minha melhor amiga que viesse comigo ao supermercado Wing On, que era o único sítio que eu conhecia que vendia estes chocolates, para me arrebatar com uma caixinha inteira só para mim, porque felizmente ela nunca gostou muito de doces. Estávamos sentadas cá fora nas escadas, quando aparece precisamente naquele meu momento de enlevo, um português de fato e gravata a esbanjar boa disposição e uma desenvoltura que eu jamais me atreveria a ter. Não sei se transparecia tamanho prazer a comer os malfadados chocolates, que ele veio direitinho a mim e pediu-me "uma dessas coisas com tão bom ar que estás a comer, por favor!".
Foi aqui, pela primeira vez que me apercebi do meu pequeno lado egoista, porque em primeira instância fiquei um tanto aborrecida por afinal não poder ter aquelas delícias só para mim. A minha relutância foi evidente, porque ele teve de pedir uma segunda vez, "vá lá...só um...".
Contei mentalmente os chocolates que ainda tinha, e perante a real constatação de que eram mais que suficientes, estendi a caixa e deixei-o escolher.
Ele ficou tão contente, que eu retribui um sorriso de boca cheia.
Enquanto a minha melhor amiga me dizia, que só a mim é que estas coisas me aconteciam, eu mastigava mais um e mais outro, divertida com a perplexidade dela, até ao momento em que me apercebi que tinha alguém a tocar-me no ombro.

- "Foste tão querida para mim, que te venho oferecer esta rosa. Obrigada."

Senti uma imensa vergonha apoderar-se da minha gula...Enquanto aceitava a rosa branca estendida para mim, ele pediu-me mais um, e assim, rendida ao meu embaraço, ofereci-lhe a caixa toda. Como grande Cavalheiro que era, não aceitou, e partiu sorridente.

Infelizmente não consegui tornar-me menos egoista com doces ao longo dos anos, mas talvez tenham sido estes, a permanecerem os meus chocolates preferidos até hoje, por causa daquela rosa branca e do sorriso parvo com que fui para casa naquele dia.
Era a primeira vez que recebia uma flor de um homem.

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