Complexo do Estrangeiro
Há sextas-feiras em que apetece jantar fora. Com uma amiga, com o namorado, ou com quem quer que nos telefone na mesma sintonia. Escolhemos um restaurante, e chegamos (normalmente) tarde. Esperamos pacientemente que àquela mesa onde já se bebe o café, chegue a conta rápidamente para finalmente nos podermos sentar.
Um dos benefícios da lei do tabaco, é que essa espera tornou-se menos desesperante. As pessoas levantam-se mais depressa para fumarem lá fora, e as ruas estão mais preenchidas de gente, pelo menos, à noite.
E há dias de semana em que a pressa de almoçar nos leva a comer muito rápido, porque há pessoas que, como nós, têm de ir trabalhar, e temos tendência a ser mais sensíveis a essa questão. E por isso somos também mais rápidos a desocupar as mesas.
Em qualquer dos casos, menos ou mais atentos, somos um povo que normalmente aguarda a sua vez pacientemente. Ainda que muitas vezes a babar perante uma picanha que passa à nossa frente, ou a mousse de chocolate com que alguém se delicia enquanto troca conversas de final de refeição. Para um chinês, não faz sentido esperar em pé, se numa mesa qualquer onde estão pessoas (ainda que ele não as conheça), existir um espacinho para ele se sentar e comer o seu min, senta-se e pronto, não há razão para esperar. Mas para um português, existe o desconforto ao lado do desconhecido, e em última instância, esperar é.....sinal de boa educação(!!??)
Certo dia na esplanada do Sr. Carlos, à hora do almoço, tinha acabado de me sentar junto dos meus colegas que tomavam já o seu café, e por entre esquissos desenhados no papel das mesas, oiço uma voz nervosa atrás de mim que diz:
- Era bom que esta malta se despachasse, tou cá com uma fome! E era fixe ficarmos cá fora para apanhar sol!
Olhei para trás, porque tive a sensação que aquela frase tinha sido pronunciada junto do meu ouvido. O meu primeiro pensamento foi de estar perante alguém que tem coragem para dizer o que sente, e perante tal afirmação, pensámos em pedir imediatamente a conta. Até termos tido uma vontade simultânea em ficar mais um pouco para seguir a conversa que se começou a desenrolar entre a voz impaciente, e o seu amigo.
- Olha lá pá....mas como é que tu vais pagar 700 euros pelo arranjo do carro e mais as outras cenas se não tás a trabalhar numa cena fixa?
- Pá...iá...mas eu safo-me bem, porque isto é assim, eu sou o único a fazer aquilo, logo, isso faz de mim o melhor!
- Iá, iá...mas este País é uma merda pá...um gajo sai para fora e é que percebe que esta merda é uma aldeia pá....por isso é que eu só ando com loiras.
- Eh pá iá, eu também, mas agora tou com vontade de experimentar uma morena.
- Uma morena? Para que é que que queres uma morena? As gajas daqui são umas tacanhas pá...Olha para mim pá...Já viste a minha história? Tenho um filho de uma francesa, sou casado com uma brasileira, e agora ando com uma espanhola.
- Eh pá iá, mas tou farto de loiras!
- Tu lá queres andar com uma morena!! Eu tou lá fora pá, chego a Lisboa e parece que tou em Trás-os-Montes, pá! Um gajo quer ir sair, vai ali ao Bacalhoeiro, e eu sou o menos bimbo que lá tá, pá! Eu aqui tenho estilo...pronto! sou um gajo que se safa bem, mas em França sou um gajo perfeitamente normal!
Dicionário de apoio:
Morena - mulher de nacionalidade portuguesa.
Loira - mulher de nacionalidade estrangeira, não interessa qual a cor real do cabelo, e que é melhor do que qualquer mulher portuguesa.
Menos bimbo / com estilo - t-shirt cor de salmão com buracos; calças largas de cor verde escurecido por não verem uma máquina de lavar há cinco meses; e cabelo que, sujeito à mais leve brisa, transformar-se-ia numa gigante rasta (ou mais correctamente, dreadlock).
Bacalhoeiro - Associação cultural sem fins lucrativos, onde se pode beber um copo, ou apreciar alguma expressão artística mediante o pagamento de 5 euros pelo cartão de sócio anual. Espaço gerido por um português, um italiano e duas espanholas.
Pá! / Iá! - Pérolas!! Rapazes que cospem pérolas vindas do estrangeiro!!!
Sem comentários:
Enviar um comentário