segunda-feira, 13 de abril de 2009

Número 41 (2007)

Tolerância

Estava a passar pelo Largo D. Estefânia, quando o taxista teve de fazer uma travagem brusca para não atropelar um peão que atravessava a estrada. Olhámos melhor, e observámos que aquela mulher quase despida era um travesti com uns abastados implantes de silicone, com uma mini-saia mais curta que as suas nádegas, e uma blusa que tapava apenas - se não estávamos a ver mal - a barriga.
E, se eu não ouvi mal, surgiu o seguinte comentário:

- Eu os drogados ainda percebo, ainda tolero, agora isto! Meu deus, não consigo encaixar na minha cabeça estes seres! Porque isto nem é homem nem é mulher!

Engoli em seco.
Nem sabia bem por onde haveria de começar.
Expliquei que a senhora/senhor não fazia mal a ninguém, e que se o senhor taxista tivesse convivido com algum drogado não se atreveria a dizer uma coisa dessas. Tentei explicar-lhe que há pessoas que gostam de andar fresquinhas, e que é melhor ver corpos desnudados, do que ver drogados a roubar, ou na pior das hipóteses, confrontar um ser humano numa completa degradação (tantas vezes sem retorno), é francamente mais desconcertante.

- Pois menina, se calhar tem razão....mas bolas, isto assim também é demais, ele não precisava de andar assim despido na rua!

Realmente não era preciso... Dei por mim a pensar porque é que por vezes nos é tão dificil aceitar as pessoas como elas são. Ou porque é que por vezes as pessoas têm de cair nestes exageros para se afirmarem, para poderem ter um lugar nesta vida. Não me chocam estas posturas, talvez porque só assim, com este impacto e com esta força é que é possivel desarmar os preconceitos individuais e sociais. Penso que cumpri uma boa acção ao tentar encontrar a tolerância no taxista, mas questiono-me se para se ser tolerante, basta dizer as coisas politicamente correctas, perante uma situação politicamente incorrecta.
Será que eu teria uma amiga que andasse assim despida na rua?
Será que o meu conceito de tolerância é suficiente?
E por outro lado, será que é indispensável relacionarmo-nos com pessoas diferentes de nós, para sermos realmente tolerantes?
Em qualquer dos casos, a dúvida persiste, porque me assusta a possibilidade de ser igual a tantos portugueses, que diz-se por aí, que são um povo extremamente tolerante, mas no entanto, desde que as diferenças aconteçam longe.

Sem comentários: