Uma das coisas maravilhosas em trabalhar no coração da cidade é poder assistir de perto, todos os dias, ao que se passa na rua.
E todos sabemos que é nos centros das cidades, onde a grande maioria das expressões culturais e artísticas sem nome, sem prestígio identificado, ou sem palco doado, acontecem.
Em última instância, não precisamos de perceber onde se situam as aglomerações económicas para os identificar. São estas manifestações de cultura espontânea, que nos leva a construir a ideia de que é aqui onde tudo acontece. Ou não seriam (no nosso caso) o Chiado e a Baixa uma das grandes alternativas à praia para uma tarde de Verão ou Inverno, bem passada.
O nosso centro lisboeta aloja os vendedores de castanhas que vendem sorvetes no Verão, os freaks que encenam truques de malabarismo e não se coibem de dizer que nos roubam, se não lhes dermos a moedinha para cerveja, perdão! para comer!, ou os pintores que expõem as suas telas nas ruas, e no nosso caso em particular, todos parecem pintar o mesmo, e com a mesma técnica. Os escuteiros que vendem as canetas da Unicef, os grupos de pessoas que se juntam em roda e cantam para o mundo, ou ainda outro exemplo, os homem-estátua que invadem os passeios, de olhos postos no infinito.
A primeira vez que vi um homem-estátua na rua, não foi em Lisboa. Tive oportunidade de me intrigar com estas pessoas pela primeira vez em filmes americanos e depois ao vivo, em Nova York, Londres e Veneza, onde me dei tempo para observar com uma certa distância, estas criaturas que conseguem mesmo estar completamente paralisadas durante muito e muito tempo. E para mim em particular, só a ideia de me imobilizar durante cinco minutos me causa arrepios da cabeça aos pés, e quando penso nisso, mesmo que nem tenha necessidade, mexo-me. E muito.
Não será certamento pelo ganho monetário que alguém se paralisa durante umas horas por detrás de uma máscara.
Também não será certamente por querer ser ignorado. Pelo contrário, há uma contradição incrível desse conceito.
Na Natureza, muitas são as vezes em que a única forma de defesa contra o perigo é camuflagem. Os animais fundem-se no meio ambiente através das suas cores, ou pela sua forma, e deixam-se ficar imobilizados até que o inimigo desista deles.
Os homens-estátua não. Subvertem a natureza. Usam as cores e as formas para construir a sua máscara e sobem a um qualquer objecto para ganhar maior destaque. E aqui se deixam ficar quietos.
Não sei se se dão conta do tempo passar ou se conseguem ver quem olha para eles. Não compreendo o que procuram. Será a intriga dos outros? Será o desafio de superarem a sua própria natureza humana? Serão os homens-estátua pessoas que tendem a ser introspectivas? Como é que se aguenta tanto tempo paralisado?
Em qualquer dos casos, e não sei se isto só acontecerá comigo, quando passo por eles não tenho coragem de os olhar muito tempo. Aquilo que me desperta a atenção, é a necessidade involuntária que sinto de confirmar se estão de facto imóveis, e depois sigo caminho. Há sempre um tempo limite, convencionalmente aceite, para se observar um desconhecido. E eu sinto-me confortável com essa convenção.
A primeira vez que vi um homem-estátua em Lisboa foi há cerca de um mês.
Espantei-me, por momentos julguei que fosse o meu amigo Jota, apesar da tinta branca que lhe cobria o rosto e o corpo. Aproximei-me e ele mexeu-se. Fui apanhada de surpresa e fiquei constrangida.
Libertei um sorriso nervoso e apressei-me em direcção ao Atelier.
Durante os dias seguintes, deparei-me com o homem que carrega o mundo nos ombros, com o homem envelhecido pelo musgo verde que esconde que outrora foi de bronze, com o homem que verte água de um vaso para um alguidar, e novamente com o homem de branco que não é o meu amigo Jota.
E nenhum deles estava mais do que uns minutos completamente imóvel. O homem-mundo caminha em direcção a um lugar à sombra. O homem-branco acena para as pessoas, o homem-verde robotiza os movimentos a cada moeda que cai sobre outra, e o homem-vaso pinta-se.
Encanta-me esta agitação. Encanta-me esta reinterpretação lisboeta do que é um homem-estátua, da vida que estes homens dão a esta arte. Muitos portugueses têm grande tendência para fazer comparações sucessivas ao que se faz lá fora no estrangeiro, e fazem-no muitas vezes para desconsiderar o que se faz cá dentro. Eu gosto da forma como os portugueses se expressam. Gosto da nossa escrita, da nossa música, das nossas palavras e pinturas, dos teatros e vozes, dos instrumentos e fotografias. Do nosso espírito de aventura e das nossas gargalhadas, da nossa arquitectura, desenhos e reflexões.
No fundo acho que precisamos de mais arte na rua. Talvez deixem de existir os portugueses que só gostam de Portugal quando se joga futebol.
Também não será certamente por querer ser ignorado. Pelo contrário, há uma contradição incrível desse conceito.
Na Natureza, muitas são as vezes em que a única forma de defesa contra o perigo é camuflagem. Os animais fundem-se no meio ambiente através das suas cores, ou pela sua forma, e deixam-se ficar imobilizados até que o inimigo desista deles.
Os homens-estátua não. Subvertem a natureza. Usam as cores e as formas para construir a sua máscara e sobem a um qualquer objecto para ganhar maior destaque. E aqui se deixam ficar quietos.
Não sei se se dão conta do tempo passar ou se conseguem ver quem olha para eles. Não compreendo o que procuram. Será a intriga dos outros? Será o desafio de superarem a sua própria natureza humana? Serão os homens-estátua pessoas que tendem a ser introspectivas? Como é que se aguenta tanto tempo paralisado?
Em qualquer dos casos, e não sei se isto só acontecerá comigo, quando passo por eles não tenho coragem de os olhar muito tempo. Aquilo que me desperta a atenção, é a necessidade involuntária que sinto de confirmar se estão de facto imóveis, e depois sigo caminho. Há sempre um tempo limite, convencionalmente aceite, para se observar um desconhecido. E eu sinto-me confortável com essa convenção.
A primeira vez que vi um homem-estátua em Lisboa foi há cerca de um mês.
Espantei-me, por momentos julguei que fosse o meu amigo Jota, apesar da tinta branca que lhe cobria o rosto e o corpo. Aproximei-me e ele mexeu-se. Fui apanhada de surpresa e fiquei constrangida.
Libertei um sorriso nervoso e apressei-me em direcção ao Atelier.
Durante os dias seguintes, deparei-me com o homem que carrega o mundo nos ombros, com o homem envelhecido pelo musgo verde que esconde que outrora foi de bronze, com o homem que verte água de um vaso para um alguidar, e novamente com o homem de branco que não é o meu amigo Jota.
E nenhum deles estava mais do que uns minutos completamente imóvel. O homem-mundo caminha em direcção a um lugar à sombra. O homem-branco acena para as pessoas, o homem-verde robotiza os movimentos a cada moeda que cai sobre outra, e o homem-vaso pinta-se.
Encanta-me esta agitação. Encanta-me esta reinterpretação lisboeta do que é um homem-estátua, da vida que estes homens dão a esta arte. Muitos portugueses têm grande tendência para fazer comparações sucessivas ao que se faz lá fora no estrangeiro, e fazem-no muitas vezes para desconsiderar o que se faz cá dentro. Eu gosto da forma como os portugueses se expressam. Gosto da nossa escrita, da nossa música, das nossas palavras e pinturas, dos teatros e vozes, dos instrumentos e fotografias. Do nosso espírito de aventura e das nossas gargalhadas, da nossa arquitectura, desenhos e reflexões.
No fundo acho que precisamos de mais arte na rua. Talvez deixem de existir os portugueses que só gostam de Portugal quando se joga futebol.

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