Retiro
Neste mundo existem pessoas de muitas cores e feitios, e um dos géneros que me desperta alguma curiosidade, são as pessoas que habitualmente, pouco ou nada dizem. Pessoas em quem não se repara quando entram numa sala, ou quando passeiam pelas ruas. E de repente, no meio de alguma conversa aberta para todos, sem precisarem de falar muito alto, ou com muitos gestos, largam palavras que chegam para deixar os mais egocêntricos a pensar.
O JC é uma pessoa assim. Talvez seja por causa das iniciais.
Certo dia, numa certa conversa, alguém largou um tópico um tanto ou quanto incomodativo.
- O que é que voçês fazem quando estão mal?
Fez-se um grande silêncio entre 5 pessoas. Não sei porquê, mas senti os olhos da interlocutora postos em mim, como se eu, fosse alguém muito segura e muito certa de si, que sabe exactamente tudo o que faz. Mas a verdade é que eu não sabia exactamente o que dizer, porque, nos últimos tempos tenho passado por uma espécie de viagem ao centro de mim. Mais por alguns maus momentos, do que bons. Provavelmente teria a mesma dúvida que ela.
Perante o meu silêncio, e sedenta de realmente encontrar uma resposta, ela continuou:
- Estava a pensar fazer um daqueles retiros de dez dias, e passar esse tempo só comigo mesma, se calhar é isso que estou a precisar, não ando a conseguir conviver muito com as pessoas.
Quebrei o silêncio.
- Sinceramente a mim não me faz muito bem isolar-me completamente. Nos dias em que estou mesmo em baixo de espírito, normalmente não consigo estar assim muito social, mas refugio-me perto das pessoas que me são mais próximas, desabafar com elas faz-me bem. Ou às vezes, basta-me apenas a sua presença. Claro que quando preciso mesmo de arrumar a cabeça, às vezes fico na minha conchinha, mas nunca consigo estar isolada muito tempo.
E o JC quebrou também, o seu habitual silêncio;
- Pois...Eu agora também penso assim, mas já passei por uma fase em que achava que devia era estar sózinho, para que ninguém me chateasse, nunca fiz nenhum retiro oficial, mas andava sempre muito sózinho, até que uma vez ouvi uma história que me mudou essa perspectiva...Sobre aquele sábio que viveu isolado numa montanha, não sei se sabem qual é...?
- Não...
- Não sei muito bem de onde vem esta história, mas segundo reza a lenda, houve um sábio que começou a pensar em qual seria a melhor forma de atingir a plenitude de espírito, e pensou que a melhor forma seria abandonar a aldeia onde vivia, subir a montanha e ficar lá, sózinho, a meditar. Essa meditação durou quinze anos. E ao fim desse tempo, os habitantes da aldeia onde ele vivia, prepararam-se para fazer uma festa em homenagem ao sábio, e convidaram-no. Ele pensou, e resolveu aceitar o convite, mesmo não vendo as pessoas há quinze anos. Desceu a montanha, e o convivio começou. A dada altura alguém o pisou sem querer, e de repente, ele que sempre foi um homem de paz, reagiu de forma muito agressiva.
- ...!
- Reagiu assim, porque esteve tanto tempo isolado que se desabituou da convivência com as pessoas, dos estímulos que os outros nos trazem. E do quão normal é de vez enquando alguém nos pisar sem querer. Percebeu que tinha passado quinze anos a fazer nada. Toda a gente precisa da convivência, da presença dos outros, são os estímulos exteriores que nos ajudam a crescer e a evoluir.
(Ora bem....)
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