Cartas
Tem estado um calor insuportável em Lisboa.
Desde sempre, que a minha mãe me diz que assim é que ela gosta, e resta-me perceber que ela nasceu e viveu em África até aos seus dezoito anos.
Mas não compreendo como é que alguém consegue sequer raciocinar debaixo de 30 e tal graus. A essa temperatura, só gosto de beijos. E neste caso, quanto mais graus, melhor. Só e apenas neste caso.
Quando saímos para a rua durante a hora de almoço, fomos constatando que as ruas da Baixa que são paralelas ao Tejo, acumulam mais calor, enquanto que as perpendiculares nos deixam sentir uma ligeira brisa. Enquanto caminhávamos em direcção ao Arco, ele perguntava-me se havia algum café a caminho do Atelier. Lembrei-me do Martinho da Arcada, e expliquei-lhe (mesmo sabendo que ele sabia), que era um dos sítios onde Fernando Pessoa passava muito do seu tempo.
- Será que algum dia alguém vai dizer: "Olha! Era aqui que eles tomavam café!" ?
Arrebitei quando ouvi estas palavras. Trocámos algumas ideias sobre isto. O que será preciso fazer para não sermos esquecidos neste mundo? Trabalho social, alguma descoberta científica, teatro, escrever um livro ou dois? Tanta coisa....e no entanto não há uma fórmula certa. Quantas pessoas tiveram uma contribuição incrível para a humanidade e nunca ouvimos falar delas? Quantas pessoas não fazem nada digno de algum Prémio Nobel e todos sabemos quem são?
Todos nós pensamos nisto um dia. Queremos contribuir, deixar um marco na sociedade, chegar ao fim de uma vida preenchidos com feitos nossos. E muitas vezes escolhemos a nossa profissão com este desejo no inconsciente.
Uma vez perguntei a um amigo qual seria a profissão secreta dele...Aquela profissão que escolheríamos se não existissem cursos superiores, nem a pressão (tão contemporânea!) de que temos de ser todos nomes sonantes em livros, cheios de dinheiro e casas (de preferência, realmente pagas!), e ele disse-me que seria Camionista. A partir desta pergunta fiquei a conhecer quem gostaria de ser Actor Pornográfico, quem seria Empregada de Balcão porque acha graça falar com as pessoas, quem seria Relojoeiro, e finalmente, assumi, que eu, trabalharia nos Correios.
Não sei justificar muito bem porquê, mas mexer em cartas todos os dias, ia-me dar a noção do quanto é que as pessoas se escrevem diáriamente. Iria ficar a saber que há uma Joana no Algarve que escreve a um Francisco em Aveiro, e podia imaginar o que diriam um ao outro. Adoro cartas, e já escrevi muitas. Cartas de amor, cartas às amigas, cartas à família, cartas longas e curtas, postais, e a sensação de abrir a caixa de correio e receber uma carta que não seja uma conta para pagar ou uma promoção, é simplesmente divinal.
Por vezes ocorre-me uma pequena aflição quando penso nas cartas que escrevi e que não me lembro. Nas cartas de amor a alguém por quem me apaixonei durante três dias, ou alguma carta de amor a um grande amor. Nas tolices que escrevi às minhas amigas a contar os mexericos do Liceu, ou algum momento menos bom da minha vida. O que eu daria para poder reler algumas dessas cartas agora... Relembrar-me delas, e de como me expressava quando era adolescente. Ocorre-me a carta mais longa que escrevi em toda a minha vida. Vinte e muitas páginas, e foi remetida a uma amiga que vivia na Alemanha. Lembro-me de alguns temas, mas não me lembro como fui capaz de ter assunto para tantas linhas.
Talvez tenha sido este meu desejo, que me tenha levado a incluir no presente de aniversário do meu chefe, uma carta que ele me escreveu no Verão de 1993 a contar as suas férias em Portugal e Inglaterra, enquanto eu ia e vinha da praia de Hac-Sa todos os dias, durante dois meses e qualquer coisa. Estranho foi, que só passados estes anos todos, reparei que a data em que ela foi escrita, foi no dia de aniversário da minha mãe.
Essa carta retornou ao meu caixote da correspondência e tem praticamente 15 anos.
Não trabalho nos Correios, nem tenho acesso às cartas que escrevi. Mas guardo religiosamente todas as que recebi.
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